Antes de começar este texto, gostaria de deixar claro que o meu objetivo aqui é trazer o ponto de vista não só como fã da obra, mas também como um apreciador do trabalho de J.K. Rowling e da equipe que compõe o Wizarding World. Este texto é, portanto, um artigo de opinião e não apenas uma crítica ao filme.
Apesar de toda a polêmica com as falas da autora e, agora, roteirista dos filmes, além daquelas relacionadas ao ator Johnny Depp, que atuou no papel de Gellert Grindelwald nos dois primeiros filmes da franquia, tento, neste espaço, analisar a contribuição que ambos trouxeram e trazem à franquia.
Animais Fantásticos, definitivamente, não é mais do mesmo. Criar uma obra totalmente nova, mesmo que baseada em uma série de livros antecedentes, não é pra qualquer pessoa. E se arriscar como roteirista de uma franquia de filmes milionária, também não.
Apesar das possíveis intenções que a autora tinha para a história, sabemos que os interesses de uma produtora de filmes é lucrar, e a melhor forma para fazer isso é lançando mais filmes para os fãs. Quando juntamos a oportunidade de Rowling construir uma experiência como roteirista, e o interesse da Warner em obter mais lucro com uma saga já glorificada, temos a fusão ideal para uma nova franquia.
Eu não faço esse paralelo apenas com essa franquia, pois sabemos que a Disney não está lançando tantos produtos de Star Wars porque George Lucas foi muito generoso – ou muito tolo – em perder os direitos criativos da saga. Inclusive, quando perguntado sobre as novas produções, Lucas foi enfático: “O público vai amar. É o tipo de filme que estiveram procurando”. Abusando dessa frase, digo que a franquia de Animais Fantásticos é, sobretudo, para fãs.
Pensando nisso, trago aqui dois pontos retóricos. O primeiro é: faz diferença se a crítica ama ou odeia os filmes se são os fãs que mais importam? E o segundo: Isso justificaria toda a demora para fechar os arcos narrativos da história, já que a autora está construindo repertório como roteirista e precisa dar abertura para esse novo universo pré-Potteriano?
Neste terceiro filme da franquia ainda vemos que há uma tentativa de brincar com as possibilidades de roteiro, explorando histórias, como a prisão de Erkstag, que apresenta uma criatura nova, ou usar da mitologia chinesa e do leste asiático para abordar a escolha de um novo representante supremo para a Confederação Internacional em Magia por uma criatura mágica (Qilin).
Ao mesmo tempo, há uma tentativa nada sutil de se redimir quanto a questões de diversidades notadas anteriormente. Já sabíamos que Dumbledore era gay e apaixonado por Grindelwald, isso foi falado por Rowling há alguns anos, contudo, fora da história oficial. E apesar de ser importante e, até mesmo representativo para comunidade LGBT, que um dos maiores bruxos do universo mágico tenha sua sexualidade explorada neste momento, essa exploração vem justamente com esse propósito, ou seja, um apelo emocional muito bem calculado.
Poderíamos pensar que isso não teria como ser tratado de outra forma, mas poderia. Não fosse pelas declarações anteriores, a relação entre Dumbledore e Grindelwald correria o risco de ser tratada apenas como uma forte amizade, diria até que uma relação de fraternidade. Apelo emocional ou não, partimos do pressuposto que, em 2007, mesmo ano em que Relíquias da Morte foi lançada, a informação sobre a sexualidade do bruxo veio durante um evento, e não por Rita Skeeter, quando escreveu A vida e as mentiras de Alvo Dumbledore.
Aparentemente, Rita não sabia de todos os segredos de Dumbledore, mesmo que, às vezes, deu a entender que ele tinha um relacionamento diferente com Dodinho (Elifas Dodge), ela também não sabia que Alvo era tio de Credence, e do bafafá da moça com quem Aberforth teve um caso e foi expulsa da comunidade onde morava.
Trazer Credence como filho de Aberforth funciona para os propósitos de continuidade da franquia, já que, agora, o grande clímax vai ver a batalha entre Alvo e Grindelwald, que tornará o primeiro senhor da Varinha das Varinhas. Apesar disso, é uma solução um pouco fraca, mesmo quando eu já não conseguia imaginar o desfecho. Houve uma construção muito poderosa sobre a real origem de Credence, mas que se esvai rapidamente neste filme. Dá a sensação de que isso poderia ter sido resolvido no segundo filme.
Na verdade, todo o segundo filme acaba se tornando uma incógnita, e isso me deixa um pouco irritado. O roteiro é escrito de forma muito aberta, com muitas introduções de personagens e poucos fechamentos, como foi o caso do sumiço de Nagini e a morte um tanto desnecessária de Leta. Chamo de desnecessária porque fica claro que Newt tinha uma paixonite pela bruxa, e sua morte facilitaria muito a solução para o desfecho Newt-Tina. Eu sei que a morte de Leta é simbólica e até há uma tentativa de propósito ali, mas foi uma saída fácil.
Uma questão levantada por um amigo, mas que me trouxe curiosidade, é se Alvo poderia ter removido o obscurus do Credence. No frágil duelo entre os dois, Alvo afasta a criatura por alguns segundos de Credence, mas, para mim, não fica claro se aquilo poderia ter sido permanente. Alvo, mesmo sem a Varinha das Varinhas já é muito poderoso, e não tenho dúvidas de que essa poderia ter sido uma possibilidade. Apesar disso, tenho a sensação de que Credence morreria se Alvo o fizesse.
Por falar em morte, Newt podia ter morrido no começo do filme, se os roteiristas quisessem. Isso não acontece porque ele é o personagem principal, obviamente, mas, também, porque eu prefiro acreditar que Grindelwald dá muito valor ao sangue-puro dos bruxos e não quer desperdiçar com a morte de seus iguais.
E falando em acreditar, nas cenas onde Newt está resgatando Theseus, ambos utilizam a gravata como chave-de-portal. Sabemos que devem existir muitos feitiços anti-aparatação na prisão de Erkstag, mas não existe nenhum feitiço que evite o uso de chaves-de-portal. Isso fica evidente por dois motivos: o guarda da prisão recolhe a varinha e os itens que Newt carrega e, em Hogwarts, a Sala Precisa tem uma gigante chave-de-portal que leva os bruxos ao reino de Butão. Se no primeiro filme há um certo abuso das aparatações, neste, o uso das chaves-de-portal se justifica.
Seguindo minha análise, vem o papel de Maria Fernanda Cândido como Vicência Santos. A representação de Santos é grandiosa em Animais Fantásticos, símbolo da verdadeira união entre os bruxos e da relação entre bruxos e trouxas. Essa representatividade pode vir porque o Brasil é um país com uma população muito diversa. E também porque uma das maiores bases de fãs do mundo vive aqui, e isso atrai bilheteria.
Entretanto, por que os fãs não se incomodam com a ausência de falas da personagem ou mesmo sua participação ativa ao longo do filme? Parece ser suficiente ter o Brasil representado apenas simbolicamente em uma franquia milionária.
Por falar em participação ativa, como Grindelwald é absolvido de todos os seus crimes e não há nenhuma cartinha de repúdio das federações bruxas? Nesse momento é que Vicência poderia ter tido um diálogo importante, juntamente com Liu Tao, para entender o posicionamento de Vogel. Considerando que o Brasil estava passando por um movimento eugenista algumas décadas antes, numa tentativa de embranquecimento da população, Vicência teria argumentos bastantes convincentes. É claro que a forma como o roteiro acontece, de nada adiantaria se ela tivesse essa conversa, mas, ainda assim, não deixaria de ser interessante.
Importante destacar, ainda sobre a participação do Brasil no filme, que o Parque Lage, que aparece em uma das cenas finais, foi inaugurado somente no ano de 1957, quase vinte anos depois da época em que o longa se passa. Antes disso, o palacete servia de mansão da Família Lage e, por volta de 1936, grandes festas eram realizadas, com a presença de importantes membros da sociedade. Desse modo, a cena a qual me referi anteriormente, era provavelmente a de uma festa no palacete da Família Lage, que deveriam ser bruxos.
Por falar em tempo, a relação temporal é pouco explorada durante o filme, ficando pouco claro se passaram poucos ou muitos anos entre um e outro, pois, em alguns momentos parece que foi ontem que a Queenie debandou para o lado de Grindelwald e, mesmo assim, passaram-se pelo menos cinco anos entre o primeiro e o terceiro filme.
Pode ser que essa lacuna cronológica explique a ausência de Tina neste terceiro filme da franquia Animais Fantásticos, mas parece que a atriz não participou ativamente do longa por outros motivos não revelados, ou por caprichos do roteiro. Essa ausência permitiu que a relação entre Theseus e Newt desenvolvesse – bem pouco – e a inserção de Lally no mundo mágico provoca uma ampliação daquilo que sabemos até agora (e, também, substitui Leta, morta no filme anterior).
Um acerto do roteiro foi o desenvolvimento de Bunty, esquecida no churrasco no segundo filme, contudo, foi muito bem explorada em Segredos de Dumbledore, apesar de ser uma personagem triste (e cheia de sentimentos confusos pelo Newt, espero que ela encontre alguém).
Por fim, trago uma fala importante de Newt sobre as atitudes de Alvo, sobre arrependimento, que, de modo geral, permeiam o filme todo: “não importa quão mal você foi, o que importa é melhorar”. Ou algo do tipo. Parece uma mensagem para posteridade, sabe? Principalmente sobre certas atitudes de certas pessoas. De todo modo, é importante melhor, mas ações deixam marcas, para o bem ou para o mal.
O terceiro filme da franquia Animais Fantásticos chega à HBO Max nesta semana.