“A Mulher Rei” traz algo de muito especial para os cinemas. É um filme feito por ocidentais, sem ter uma visão ocidental de tribos africanas. A trama traz em específico o Reino do Daomé, que exerceu grande relevância comercial e territorial de 1600 até 1800. O longa é baseado em fatos da cultura e consegue expressar com clareza uma mensagem sobre força e poder feminino.
Conhecidas como as Amazonas Dahomey, ou Agojie, esse grupo de guerreiras tem uma função especial e dá o verdadeiro protagonismo da narrativa. Na África Ocidental, o reino passa por conflitos com ameaças do Império Oyo, que está conquistando cada vez mais o espaço e as relações econômicas com os europeus. Nesse contexto, o grupo feminino se faz importante pela luta e ainda apresenta inovações internas impressionantes.
De início, é possível ver que o longa apresenta a história de Agojie como o elemento fundamental da trama. Essa visão não é a convencional, com o olhar português e sim com uma didática interna, de forma intimista é como se a narrativa fosse contada pelo elemento cultural em si, sem precisar de interferências de um “homem branco”. Tal estrutura revela uma inovação no filme, que se estende de pequenos detalhes como referências simples à cultura, até a resolução dos conflitos e a apresentação de novos dramas.
Os detalhes visuais expressam o que a cultura daquele reino gostaria de passar. O figurino, maquiagem e acessórios definem guerreiros com forte impacto, ligados a natureza e concentrados na força interior. As lutas também são bem coreografadas e entram em sintonia com as danças e ritos que levavam os guerreiros e os próprios cidadãos a se conectar com a representação coletiva que os une. O filme não traz erros visuais, chamando atenção do telespectador pela riqueza de informações e a construção de um CGI quase invisível.
A sensação de realidade leva o telespectador a vivenciar o filme como se fosse um dos integrantes do reino. A estética da fotografia junto de um roteiro interessante de Gina Prince-Bythewood e Dana Stevens explicam tal sentimento. Pela conexão de arcos bem resolvidos e instigantes, a história da “Mulher Rei” vai além da luta exterior, mas se mostra uma luta interna extraordinária de acompanhar.
O apego histórico se dá em uma construção intrigante, no entanto, pode-se fazer dois questionamentos quanto a intenção do filme. Isso porque foca na ideia de dar a verdadeira força para o treinamento das Agojies e suas expectativas dentro da batalha e isso enfraquece o poder do rei Ghezo (John Boyega), tornando a figura mais um subordinado de Nanisca (Viola Davis), do que um monarca poderoso.
O segundo questionamento se deve a visão portuguesa e europeia do local, para atender a construção histórica o Brasil é mencionado. Essa menção é feita como se não fossemos apenas uma colônia, mas também uma nação escravista e voltada apenas para os interesses coloniais. Pode ser um detalhe despercebido para o público geral, mas tendo conhecimento da história do Brasil no período, é possível enxergar certa divergência de aparências.
Viola Davis não é a única que brilha em “A Mulher Rei”
Um dos maiores atrativos do filme se deve ao protagonismo e contribuição na produção, feita pela vencedora do Oscar, Viola Davis. Sua personagem tem uma influência especial por ser a general Miganon. Chamada Nanisca, ela tem a missão de coordenar as guerreiras, desde sua formação até sua ação nos campos de batalha. A parte mais impressionante é acompanhar o desenvolvimento pessoal de vingança e o apelo pessoal que a líder passa.
Entretanto, ela não é única estrela do filme. Nawi, vivida por Thuso Mbedu conquista em todos os momentos que aparece em tela. Ela tem a famosa construção literária do jovem herói que passa de “fraco” ao que se destaca. Com uma relevância grandiosa para a história, é possível ver que a personagem vai além de suas estruturas e isso se deve principalmente pela excelente atuação de Thuso.
Lashana Lynch também exerce uma importância notória ao dar vida a Izogie, o tipo de personagem que demostra poder e ao mesmo tempo consegue levar um lado descontraído, mesmo com tamanha garra e autoridade. A atuação se conecta perfeitamente com a construção de uma personagem original e imprescindível.
“A Mulher Rei” é um triunfo histórico na indústria cinematográfica. O filme traz um forte aspecto cultural que foge da visão africana convencional. Com a exaltação de guerreiras e sua missão diante de um mundo com brigas coloniais, o longa se supera na proposta sugerida. Além da fotografia, roteiro e atuações bem sincronizados, a história se mostra intrigante e necessária para o telespectador.
Nota da autora: